“Ninguém aprende nada de significativo a partir de conclusões” (Carl Rogers, Tornar-se pessoa, p. 251).Inevitavelmente, o exercício de uma liderança ética tem a missão de ensinar, embora a maioria das pessoas que exerce essa liderança nunca tenha assumido a tarefa de definir o que é “ensinar”. Executa-se uma prática de transmissão de informações e, ocasionalmente, uma consequente avaliação que aparentemente verifica os resultados. Contudo, nem sempre o exercício de uma liderança ética tem o compromisso com a aprendizagem por parte do outro. Aliás, a maioria que exerce essa liderança nunca se preocupou em definir o que é “aprender”. Curioso, pois se trata de um exercício ainda mais usual na vida de qualquer um, posto que até para se preparar uma reunião, ou para se atualizar em um assunto, até mesmo quando se lê um jornal com notícias diárias, quase sempre estamos aprendendo. Mas ensinar e aprender não são necessariamente dois lados de uma mesma moeda. Muitas vezes nos dispomos a ensinar e alguns não aprendem. Outras vezes, algumas pessoas chegam até a se dispor a ensinar algo que ainda não aprenderam. Por fim, vários chegam a ensinar de um modo que não seria melhor sequer para eles mesmos aprenderem. Ainda mais amplamente observando, há o problema de se conceituar o termo “educação”, que em sua raiz etimológica remete à ideia de conduzir, levar por algum caminho. Inúmeros motivos podem influir no que me leva a ensinar, de levar alguém por algum caminho, o que varia desde um arrebatamento heroico de quem assume uma função de, mesmo que aos poucos, mudar o mundo, até um propósito tirânico de se formatarem pessoas para que ajam e pensem de uma forma pré-concebida como perfeita e inquestionável. Neste caso, a suposta perfeição se aproxima principalmente da ausência cínica de conflitos. Entretanto, se pensarmos bem, poderemos conceber que também o ensinador heroico se lança em sua missão buscando o fim dos conflitos, posto que a salvação se justifica pela supressão dos problemas. Propósitos tão diferentes, objetivos tão iguais. Além disso, motivos que me levam a ensinar alcançam categorias como ter um meio de sobrevivência, o poder de assumir uma posição em que sempre se terá alguém admirando, contribuir com a melhoria do nível intelectual de uma população, estimular indivíduos para a produção de novos conhecimentos, divertir-se. Também a respeito de o que eu quero que aconteça a partir do meu ensino existem muitas variações. Novamente partindo de pontos distantes, eu tanto posso esperar uma sangrenta revolução popular quanto a quietude aparentemente civilizada. Mas a maioria espera, de uma forma ou de outra, que a partir de seu ensino a pessoa seja capaz de saber um determinado conteúdo, seja conceitual, seja de caráter prático. Aí está o problema que me interessa destacar agora. Uma grande quantidade de pessoas que pensam exercer uma liderança ética acredita que o objetivo de seu ensino é construir um conhecimento previamente determinado e chegar a um único modelo, também previamente determinado. Isso está ligado a um dos maiores problemas que vejo no exercício do ensino em geral, ou seja, a afirmação do poder do ensinador a partir da estipulação de uma verdade que parte dele. Um conceito, um conteúdo ou um procedimento que devem ser fixados para um aprendiz certamente não passam de fundamentos, e os fundamentos são apenas pontos de partida, ou seja, são a base cognitiva para que, a partir dela, se dê o processo de ensino-aprendizagem. Vejamos uma pequena caricatura descritiva do processo de educação a que se submete um aluno brasileiro “normal”. Desde muito cedo, desde antes de compreender o que é uma instituição ou o que é a sociedade, a criança já está frequentando uma escola regularmente. Orientada por uma professora, cercada de colegas da mesma faixa etária e socioeconômica, essa criança tem várias atividades previstas para serem desempenhadas de acordo com um planejamento e cronograma. Em um determinado momento alguém da turma pergunta ou propõe à professora algo que está um pouco distante do que se designa ali, e a resposta geralmente é algo como “agora não está na hora disso.” A criança e seus colegas já começam a assumir que quem sabe a hora de ter dúvidas e quais são as dúvidas “apropriadas” é quem ensina, não é quem aprende. Já a partir desse momento é estabelecida uma dinâmica de ensino que sugere uma pedagogia centrada na resposta esperada pelo ensinador , a dúvida e a autonomia na construção do conhecimento são elementos secundários. Contudo, é a dúvida que revela a identidade do aprendiz, ou seja, será a partir da dúvida que o aprendiz manifestará sua particularidade no grupo, estabelecerá sua pessoa como referência do processo de aprendizagem coletiva e direcionará o ensino para um campo semântico, ético e existencial que lhe tenha sentido, que lhe indique para um progresso do conhecimento. As definições e os conceitos prontos servem apenas como fundamentos. A partir daí, quanto mais o ensinador se impuser como conhecedor, mais será inibido o processo espontâneo do aprendiz para desenvolver o conhecimento. A definição é inimiga da dúvida, e muitos ensinadores sentem-se inseguros quando uma pessoa sai de uma conversa sem uma resposta, sem uma definição: com dúvidas. Vários “líderes” sentem-se julgados por não saber tudo, por não ter todo o conhecimento, como se o dever de cada um de nós fosse encobrir todas as dúvidas e não estimulá-las. Porém, quanto mais as dúvidas puderem surgir e se puder oferecer suporte ao aprendiz para que ele não se perca no processo de busca, para encontrar alguma solução mesmo que parcial ou temporária, mais se dará um fenômeno de desenvolvimento de uma pessoa, mais se estimulará a criatividade, menos se dará a fixação fetichista do saber. Mas com podemos agir dessa maneira se uma pessoa passou, ao longo de sua vida, por processos chamados educativos, mas que, na verdade, foram um adestramento? Primeiro, precisamos conhecer as pessoas com quem estamos lidando; segundo, deve-se considerar a motivação de quem aprende. É curioso como a maioria das pessoas começa seus projetos com um altíssimo nível de motivação, mas isso vai rapidamente decaindo. Seja na universidade, no trabalho, ou em grupos espontâneos. Alguns chefes e professores criam artifícios para compensar a frustração sendo engraçados, amiguinhos, ou exibindo-se como modelo a ser seguido, ou seja, nada que se ligue a uma verdadeira qualificação do indivíduo e ao respeito de sua identidade. A maior motivação na aprendizagem deveria ser dar a uma pessoa oportunidades para lidar com algo que tenha ligação com seus propósitos e com seus limites, de modo a reconhecê-los e expandi-los. O exercício de uma liderança ética deve ser capaz de respeitar o direito a um ambiente seguro e organizado e a um acesso a informações que permitam organizar fundamentos e construir caminhos para suportar e elaborar dúvidas. Se pensarmos que a dúvida é um problema que se impõe ao ser humano, podemos propor que o ensino baseado em problemas pode ser muito produtivo. Não obstante, a maioria dos ensinadores busca oferecer o problema para o aprendiz resolver, o que não passa de outra pintura sobre o mesmo método de adestramento que já se impôs. Parece-me essencial agir para facilitar o estabelecimento dos problemas e dúvidas coerentes com a identidade de cada um e o contexto em questão. Será, portanto, que devemos adotar sempre os mesmos princípios pedagógicos, aqueles que especialistas dizem que sempre dão certo? Isso deve ser discutido, mas me parece que alguns princípios devem ser universais. Já que um princípio é o respeito à identidade de cada um, cabe a cada pessoa que ensina ser capaz de aplicar seu estilo. Mas também é essencial ser sensível ao outro. O pior para quem está na função de liderança é desconhecer os bastidores relativos ao seu desempenho, o que é um tipo de narcisismo. Embora exista a impossibilidade de se saber de tudo, deve-se ter consciência de que toda hierarquia gera reações antagônicas, seja pelo desejo de revertê-la, seja pela fantasia de opressão, seja para garantir ao grupo de liderados uma identidade crítica que lhe permita diferenciar do todo e sustentar sua autoestima. Entretanto, apesar disso, não se pode deixar de solidificar um canal de comunicação sincero sobre os incômodos e os desejos. É um dos grandes momentos de aprendizado de quem se propõe a ensinar. A eficácia dessa oportunidade vai depender de dois aspectos principais nos princípios pedagógicos do ensinador: o que me leva a ensinar e o que eu quero que aconteça a partir do meu ensino. Princípios e fins.